Reflexo da situação na região Norte alcançou ao menos dez estados, com cidades mais afetadas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina


Fumaça no céu de Porto Alegre no último dia 15 de agosto — Foto: MetSul/Divulgação

Porto Velho, Rondônia - Desde o sábado, moradores do Sul e do Sudeste do país têm no céu uma prova de como as catástrofes ambientais estão conectadas a fenômenos meteorológicos, mesmo em locais distantes de onde elas ocorrem. A fumaça das queimadas na Amazônia alcançou ao menos dez estados brasileiros, e fora da Região Norte, as cidades mais afetadas ficam no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

A neblina formada pela fuligem também chegou ao Rio e a São Paulo no fim de semana, aponta o Serviço de Monitoramento Atmosférico da Europa. O fenômeno, facilitado pela atual onda de calor, pode se repetir até a sexta-feira, quando uma frente fria chegará no Sudeste e ajudará a dissipar a fumaça.

O número de queimadas na Amazônia e no Pantanal vem batendo recordes neste ano. A quantidade de focos de calor no primeiro semestre no Pantanal superou em 11% o resultado para o mesmo período de 2020, quando um terço do bioma foi consumido. A Amazônia acabou de ter o seu pior resultado para um mês de julho desde 2005. Entre os dias 1º e 31 de julho, foram localizados 11.145 focos de queimadas no bioma, o maior número para o mês desde 2005, de acordo com dados do Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Infográfico mostra trajeto da fumaça pelo território brasileiro — Foto: Editoria Arte O Globo

O corredor de ar que vem do Norte traz fumaça das queimadas dos dois biomas. Mas nesta semana os maiores focos de incêndio estão na Floresta Amazônica, principalmente nas margens das rodovias BR-230, em Apuí (AM) e BR-163, entre Itaituba (PA) e Novo Progresso (PA), e na região de Porto Velho (RO). O fogo no Pantanal, embora intenso, está em focos mais concentrados e menos fragmentados, em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul.

— Para ter fumaça da Amazônia aqui é porque a condição lá já é extrema — resume Henrique Bernini, pesquisador de sensoriamento remoto. — Atualmente há mais de 200 eventos de fogo na região da BR-163 e também mais de 200 na BR-230, além de outros em Porto Velho.

Bernini se baseou nos dados do Serviço de Monitoramento Atmosférico da Europa para apontar que desde sábado a fumaça atingiu 10 estados brasileiros: Rondônia, Acre, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e o Rio. Com o serviço europeu, é possível diferenciar a fuligem produzida pelas queimadas da produzida por atividade industrial.

No Rio Grande do Sul, uma massa de ar frio desvia o corredor de fumaça para o Sudeste e o Oceano Atlântico, com o sistema de alta pressão funcionando como um bloqueio. Por isso, a fumaça está mais intensa no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, onde chega primeiro, do que no Rio e em São Paulo.

Ao atingir as cidades mais distantes da origem de fogo, a fumaça, que tem monóxido de carbono e dióxido de nitrogênio, reduz seu potencial poluente. Mas continua um fator de risco para idosos, crianças e pessoas com problemas respiratórios.

Rios voadores secos

Meteorologista e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), Humberto Barbosa explica que o corredor de ar é o mesmo que forma os “rios voadores”, corredores de umidade que vêm da Amazônia e regulam as chuvas no Centro-Sul.

— É um corredor constante, que fica mais ou menos intenso se tiver outro sistema no Centro-Sul para se conectar a ele. Nessa época do ano, o canal está escoando o que tem. Os “rios voadores” agora são os “rios secos” — diz.

No Rio Grande do Sul, uma densa camada cinza reduziu a visibilidade mesmo com dias ensolarados em Porto Alegre. Em Santa Catarina, a Defesa Civil também alertou para a baixa visibilidade. A fumaça se espalhou no Paraguai.

No Rio, a fumaça pôde ser vista principalmente no fim da tarde de domingo, como uma neblina que perdurou até a madrugada. Em São Paulo, a região do Vale do Ribeira foi coberta ontem por uma neblina espessa.

— No domingo, o clima não estava tão instável e não deslocou tanta massa de ar. A fumaça ficou pairando no Sudeste. Mas quando as fuligens se deslocam para o Sudeste, também se dispersam na direção do Atlântico, e isso faz com que a qualidade do ar não seja tão ruim — ressalva Bernini.

A onda de calor que afeta grande parte do país facilita a formação da neblina. A previsão é que as altas temperaturas continuem até sexta-feira no Sudeste, quando uma frente fria vindo do Sul vai se instalar e dissipar a fumaça.

A fumaça já vem causando problemas no Norte há mais tempo. Na semana passada, a qualidade do ar em Manaus variou entre ruim e muito ruim, segundo a classificação usada pelo Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Ontem, houve uma melhora e a classificação da qualidade estava amena, de acordo com o mesmo sistema.


Fonte: O GLOBO