O presidente do Ibama revela que os criminosos na Amazônia estão queimando a floresta em pé para fugir de autuação por desmatamento


As marcas em área devastada da Amazônia um ano após o “Dia do Fogo” — Foto: Christian Braga / Greenpeace

Porto Velho, Rondônia -
Não é a primeira vez que o fogo se alastra por vários biomas e cobre o Brasil de fumaça, atingindo o meio ambiente, a saúde humana, a economia. Houve uma mudança no crime na Amazônia. Antes, o criminoso desmatava e depois punha fogo no que sobrava.“ As pessoas agora estão queimando a floresta em pé para evitar autuação por desmatamento”, me disse o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.

“Estão colocando fogo na floresta e depois colocando gado lá dentro.” Em São Paulo, a história é outra, mas é sempre o crime. “A gente não identificou nenhum caso de raio, curto-circuito, torre de energia que caiu ou carro que pegou fogo e os focos começaram ao mesmo tempo”, afirma o presidente do Ibama.

O fogo é resultado de dois tipos de crime. O imediato, como o da pessoa apanhada com uma garrafa de gasolina e um isqueiro na mão, em São Paulo. E o crime continuado que é o ataque sistemático às florestas e campos naturais derivado da disputa pela terra no Brasil. Este tem como vítimas o meio ambiente, os povos indígenas, populações quilombolas, unidades de conservação e as leis ambientais brasileiras. Não basta apenas prender os criminosos de ocasião. O governo precisa punir os culpados e traçar a estratégia de prevenção.

Esse foi um fim de semana terrível, porque as labaredas e a fumaça se alastraram. Os incêndios na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, no interior de São Paulo chamaram a atenção pela dimensão e concomitância. Os efeitos foram devastadores. A Esplanada dos Ministérios no domingo estava coberta pelas sombras, Goiânia estava sufocada, Belo Horizonte sob nuvens escuras, interior de São Paulo tinha 46 cidades sob emergência, voos cancelados, aulas suspensas, pessoas deslocadas de suas casas.

O presidente Lula estava em São Paulo e, cobrado sobre o assunto, foi para Brasília, onde encontrou o céu escuro da fumaça. Convocou uma reunião com a ministra Marina Silva e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Foram todos ao PrevFogo. Ibama e ICMBio estão com três mil brigadistas em ação. O governo instalou uma sala de situação na Casa Civil há dois meses por causa da seca na Amazônia, que começou mais cedo este ano, e das queimadas.

O Ministério do Desenvolvimento Regional e o Ministério da Defesa já levaram água e combustível para cidades ribeirinhas, onde os rios estão secando. Governo em ação é sempre o ideal. Mas é preciso mais do que isso para que não tenhamos que esperar outro agosto e, de novo, nos escandalizarmos com o Brasil devastado pelo fogo, pela fumaça, pela destruição ambiental.

Houve o agosto de 2019. O “Dia do Fogo”, 10 de agosto, foi o pior dos dias, mas houve uma sequência deles em que a floresta ardeu. Naquele específico momento foi a execução do plano de produtores rurais de Novo Progresso, Altamira e São Félix do Xingu, no Pará, combinado por grupo de WhatsApp, para simplesmente tacar fogo na floresta. O INPE registrou um aumento de 300% num único dia em Novo Progresso, e 329% em São Félix.

O Ibama só respondeu às denúncias do Ministério Público, doze dias depois. Das 207 propriedades que registraram incêndio apenas 5% foram autuadas. Houve até aviso prévio. O jornal Folha do Progresso publicou que os produtores rurais estavam planejando incendiar a floresta para testar o governo Bolsonaro. Era o tempo da impunidade.

Agora, o governo quer combater o crime, teve avanços estatísticos, mas houve ao mesmo tempo uma escalada do crime e dos efeitos da mudança climática que estão provocando este ano a maior seca na Amazônia em 70 anos.

— Você imagina uma cidade às margens de um grande rio depender de água — diz Rodrigo Agostinho.

É uma imagem distópica, mas hoje é realidade. A população da maior bacia hidrográfica do mundo precisa de carregamento de água. O rio Madeira não pode mais depender da água do degelo.

— Os Andes não têm mais aquele degelo que levava água para dentro das calhas do rio Madeira, a gente pode ter ali um problema permanente — diz Agostinho.

Os crimes velhos e novos, o fogo combinado no interior de São Paulo, o incêndio da Amazônia para o avanço da pecuária, fazem o Brasil arder. A inversão térmica das últimas horas pode dificultar a dispersão da fumaça. O sufoco ficará no ar. Que insensatez é esta que faz o Brasil queimar anos após anos, em agosto mais do que nos outros meses, o nosso rico e belo patrimônio ambiental?


Fonte: O GLOBO