Porto Velho, Rondônia - Nesse novo formato, o concessionário só ficaria responsável pela manutenção da infraestrutura da estrada, sem custear serviços extras, como ambulância e reboque mecânico, que seriam pagos à parte pelo usuário em caso de necessidade.
O foco são rodovias menores, com tráfego mediano, e o objetivo é viabilizar a melhora contínua da qualidade da malha rodoviária do país, sem onerar tanto o Tesouro Nacional, nem o usuário. Com o modelo “enxuto”, poderia ser cobrada uma tarifa de pedágio compatível com a realidade econômica das localidades.
Hoje, essas estradas menores, com volume de tráfego entre 2 mil e pouco mais de 5 mil veículos por dia, são tocadas majoritariamente pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ou estão em concessões que não se sustentam. Parte delas atualmente não cobra pedágio.
Cesta de ‘BRs’ elegíveis
O entendimento é que o mais importante é garantir que as estradas estejam em boas condições, sem buracos, seguras e bem sinalizadas, com contratos de concessão que se mantenham de pé, sem depender inteiramente do dinheiro público. Os serviços extras encarecem bastante o custo de manutenção da rodovia e só são usados eventualmente pelos motoristas, afirma o governo.
Sistema free flow na Rio-Santos, em Itaguaí, no RJ — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo/Arquivo
— Resgate mecânico, ambulância, todos esses serviços geram custo. Em rodovias de muito tráfego, há um volume de usuários para pagar essa conta com uma tarifa razoável. Em rodovias com menor volume de tráfego, não dá para ter todos os serviços, ou a tarifa fica muito alta, fica inviável. Então retiro esses serviços, mas eu tenho um piso muito adequado, uma sinalização boa. Se a pessoa quiser o serviço, ela vai pagar pelo uso. Não estarão todos pagando pela utilização — explica o secretário executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro. — Tiramos da despesa pública e passamos para o setor privado, com um pedágio menor.
Ainda não há definição sobre quais rodovias seriam concedidas nesse novo modelo, mas o ministério estuda uma cesta de “BRs” elegíveis. Uma delas é a Rodovia do Aço (BR-393). Com 200 quilômetros de extensão, entre a divisa de Minas Gerais com o Rio de Janeiro e a cidade de Volta Redonda, a estrada tem um tráfego considerado mediano e a condição econômica do entorno compatível com a cobrança de pedágio.
Atualmente, a via é administrada pela KInfra, mas há possibilidade de ser devolvida à gestão federal, já que a empresa não teria cumprido os requisitos do contrato, segundo o governo. Há três praças de pedágio, com cobrança de R$ 6,50 para automóveis, caminhonetes e furgões, conforme a tabela disponível no site da empresa. Procurada, a KInfra não comentou o assunto até o fechamento desta edição.
Segundo o número 2 da pasta dos Transportes, os estudos contemplam mais de uma opção para o repasse das rodovias nesse modelo, chamado no ministério de “concessões inteligentes”.
Pedido de US$ 700 milhões
Em localidades com menor condição econômica, como em cidades do interior do Nordeste, a ideia inicial seria entregar para a concessionária a estrada já “arrumada”. Nesse caso, seriam usados recursos do Tesouro Nacional ou de empréstimos junto a organismos internacionais para fazer o investimento inicial. Já há, por exemplo, um pedido de US$ 700 milhões para o próprio Banco Mundial.
Dessa forma, o concessionário só ficaria responsável pela manutenção e sinalização, possibilitando a cobrança de um pedágio ainda mais baixo. Já em regiões nas quais a avaliação é que as taxas cobradas do usuário seriam suficientes para garantir a sustentabilidade do contrato, os primeiros reparos já seriam bancados pela própria empresa que ganhasse o leilão de concessão “enxuto”.
— Em algumas rodovias, se colocar na conta o investimento necessário para recuperar a pista, o pedágio vai ficar fora da realidade da economia das cidades — explica Santoro.
Pedágio por quilômetro rodado
Os pedágios nas rodovias concedidas no modelo “enxuto”, estudado pelo Ministério dos Transportes, não devem ter barreiras físicas ou cabines. A ideia é adotar o chamado free flow (fluxo livre). Por esse sistema, as tarifas são cobradas de forma eletrônica, por meio de tags nos carros ou pela leitura da placa do veículo. O usuário, por sua vez, efetuaria o pagamento posteriormente por meio de outro canal indicado pela concessionária. Neste mês, o ministério vai publicar uma consulta pública sobre o tema.
Segundo o secretário executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, a proposta também é que a cobrança seja feita por quilômetro rodado. Recentemente, o secretário esteve em Portugal e na Espanha, visitando as empresas de tecnologia que têm implementado o pedágio free flow em diversos países. Nas estradas da Europa e dos Estados Unidos, a cobrança eletrônica é mais consolidada.
— Vamos implantar o free flow nos próximos anos na maioria das rodovias do Brasil — diz Santoro.
Na foto, pedágio free flow em rodovia na região metropolitana do Rio — Foto: Márcia Foletto
Segundo Eric Lancelot, especialista líder em transporte do Banco Mundial, o novo modelo de concessão estudado pelo governo brasileiro seria um meio termo entre as concessões tradicionais de rodovias e o programa do organismo que já funciona no Brasil, conhecido como Crema.
O Crema prevê serviços de recuperação e manutenção pela gestão privada, com acompanhamento e controle, através de critérios de desempenho. Na prática, os governos “entregam” a estrada para uma empresa por um período determinado de tempo, mas ela só recebe se mantiver o ativo em boas condições. Não há cobrança de pedágio nesses casos e todo o dinheiro sai do Tesouro.
O modelo do Crema funciona no Brasil desde 1999. Hoje, cinco estados têm projetos ou estão em fase final de preparação junto ao Banco Mundial para implementar o programa em suas rodovias. No governo federal, a intenção também é aprimorar o Crema junto com a estruturação das “concessões inteligentes”.
Resiliência climática
Um estudo realizado pelo Banco Mundial em 2010 mostrou que houve economia de 20% em contratos de cinco anos na “primeira geração” do Crema, em comparação ao modelo em que toda gestão fica com o setor público.
— Para mim, as rodovias são como o sistema sanguíneo para o país, são vitais para a economia, para a inclusão social. É o maior patrimônio público imobilizado do país, merece ter o cuidado necessário. A manutenção deveria ser feita de maneira sistemática e eficiente — afirma o especialista do Banco Mundial.
A ideia do governo é que o novo modelo e também concessões já em andamento tenham ainda formas de financiar a infraestrutura para evitar o colapso por eventos climáticos extremos, como no Rio Grande do Sul. A ideia é destinar 1% da receita bruta das concessões a investimentos nesse aspecto.
Fonte: O GLOBO
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